Aos olhos nus, não passava de uma chuva repentina, mas aqui dentro soava como uma tempestade. (Clarice Lispector)
quinta-feira, 16 de agosto de 2012
Refazer-se
Chorava sentada num canto do quarto escuro, com o rosto entre as pernas e as mãos molhadas de lágrimas. Tinha ao lado uma lâmina minimamente afiada, e se mal usada, capaz de causar mortes. Sentia a carne do corpo tremer de nervoso. Nervoso não, talvez desgosto, tristeza, falta de motivos para continuar seguindo em frente.
Foi aí que sentia que havia algo a mais do que o próprio corpo tremendo, o chão e as paredes movimentavam-se. Devagar o solo começou a se abrir, numa rachadura de comprimento duas vezes maior que a largura e as paredes pouco a pouco caíam em cima da grota, fazendo-a entrar na tal rachadura, afogando-se nas águas vermelhas que de lá saíam.
Nadava. Nadava. Nadava. De pouco adiantava, quanto mais se debatia, mais afundava nesse mar vermelho. Era o mundo que acabava. Acabava-se em lágrimas, dores, mágoas, rostos inexpressivos incapazes de sorrir, gritos mudos. Entendia agora o ápice da dor e do sofrimento, mas fisicamente nada sentia.
Adormeceu.
Acordou na manhã seguinte com o rosto amassado, as costas doendo e manchada de sangue. Não só ela manchada, a lâmina também. Levantou-se e dirigiu-se ao banheiro. lavou o rosto, as manchas de sangue e trocou de roupa. Botou a mochila nas costas e saiu portão afora.
- Bom dia - disse ao primeiro estranho que viu.
Percebeu depois de instantes que esqueceu de sorrir. Então sorriu. Era o sorriso mais bonito que qualquer um já tenha visto, porém ninguém desconfiava que além de lindo, era falso.
- Ei, bom dia! - ouviu de uma voz conhecida.
- Bom dia! - respondeu acenando e sorrindo.
A amiga pegou seu braço e virou-o de modo que a palma da mão ficasse virada para cima. Entristeceu-se.
- De novo? - questionou.
- Já vi o mundo acabar algumas vezes, mas no dia seguinte está sempre tudo bem. O sol nasceu de novo. Trago no pulso as marcas dos apocalipses, geralmente noturnos, porém mais uma vez o mundo se refez. Agora está tudo bem.
E sorriu. Apenas sorriu.
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Acho que leva jeito escrevendo e fico feliz por ter voltado com o teu blog, gosto do que leio aqui!
ResponderExcluirEssa coisa da auto-mutilação é um assunto que poderia gerar uma noite inteira de discussão, rs. Não sei como é porque nunca aconteceu comigo, mas tenho amigas que vivem essa realidade então conheço um pouco. Acho que só quem sente é que sabe o tamanho do sofrimento e não compete à ninguém querer julgar e dizer o que é certo ou errado. Mas enfim, seja bem-vinda de volta!
Beijos.
Obrigada Yasmin, fico feliz que você goste do meu blog, pois sabe o quão grande é minha admiração por seus textos. É, fiquei um bom tempo sem vir aqui, mas agora estou de volta !
ExcluirCara, na boa. Fazia séculos que não lia um blog com textos tão bons quanto os seus sabia? Você escolhe direitinho as palavras e faz as pessoas ficarem vidradas nos teus textos de uma forma tão graciosa que não dá pra desgrudar o olho dele até terminar de ler. Me identifico muito com seus textos. Parece que as coisas postadas aqui são exatamente o que eu penso e sinto. Ou o que vivo. Parabéns, sério mesmo. Continue a postar que com certeza eu sempre passarei aqui. E com mais certeza ainda, que muitas pessoas gostam daqui. Parabéns.
ResponderExcluirObrigado pelos elogios, fico muito contente em saber que há pessoas que gostam de meus textos, muito obrigado mesmo. Volte sempre aqui, beijos.
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